
The Lantern Bearers’ (1908), de Maxfield Parrish
ela saiu do quarto, alcançou o banheiro sem fazer barulho
não queria acordar seu cachorro que
em outros tempos se levantava com ela
agora estava assim
esticando o sono
fora que a roupa de cama dele
era nova, uma toalha por baixo, um cobertor cortado e por fim um edredom. assim que ela terminou de arrumar ele pulou ali agradecido
e se mexeu pouco
durante essas noites de inverno.
mas ela
precisava acordar, seu chefe não gostava de atrasos, quem gosta?, o dela especialmente general.
decidiu tomar um banho rápido pra acordar os olhos que apesar de abertos pareciam mortos, uma preguiça incalculável de andar na rua, enfrentar os rostos e placas
depois o trabalho em cima da mesa isso é pra hoje isso também, onde no corpo nasce a preguiça? sempre pensei que fossem nos
olhos, mas
acho que não, acho que nasce no cérebro, ele que é o responsável pelos nossos sonhos
e por quase todo resto, por isso o rosto a primeira coisa assim logo de frente recebendo vento, beijos, lágrimas.
ela começou a sentir o peso da própria cabeça
ensaboou os cabelos, inclinou pra enxaguar. jornalista. será mesmo essa a profissão que lhe cabe? escolheu ali, de acordo com o que conhecia de si mesma aos 18 anos e também baseada nas matérias que ela gostava no colégio, era curiosa, falava bem.
mas e se essas qualidades culminassem por exemplo em um amor pelas montanhas? se não por escalá-las, talvez
por desenhá-las, como ela saberia se nunca tentou?
fechou o chuveiro sentindo que levava sua vida de uma maneira menor do que poderia, como se morasse num casarão de fazenda e ficasse vivendo dentro de um único cômodo
que tinha suas janelas e quadros, mas isso não quer dizer que ela ficaria ali pra sempre. coragem pra abrir a porta, ela pensou
coragem pra seguir pelos corredores
explorar outros cômodos
ser expulsa aqui já tem gente demais. continuar caminhando
até mesmo pra longe
da fazenda
o mundo é tão Grande, dá pena
dos mapas.
é isso, ela pensou. tenho que me contentar com a mesa no jornal da minha cidade porque se não fosse essa
seria outra
e no começo as coisas até pareceriam boas, mas
logo viria a crise
mata o sonho quem o realiza
ao mesmo tempo não estou assim tão infeliz. é só
muito cedo
e faz
muito frio
de toalha enrolada no corpo ela procura uma roupa pra hoje.
o cão
hiberna
isso não a preocupa porque o tórax dele está se mexendo
mas vê-lo dormindo sem acompanhá-la como de costume
acaba sendo uma prévia da vida sem ele e
é horrível, ela se sente desamparada
precisando de um conselho que a fizesse enxergar algo profundo e pensa que até nisso seu cão é muito generoso
está velho, uns poucos anos e
pronto, ele se vai
até pra isso
ele a prepara
dorme cada vez mais pra que ela vá se acostumando
mal e mal
com a solidão.
Leia os textos anteriores da escritora Aline Bei
★★★
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Adorei o texto e que jeito bacana de escrever!!!! =)