
“The Beneficial Promise”, de René Magritte.
a pele do elefante chamou a atenção da clara, parecia o vô no dia da morte dentro
do caixão só que mais úmida
a pele dos elefantes, deu pra ver aguinha
especialmente nas dobras, Le Suor, a menina apontou estava com mania
de fingir que falava francês.
–é um circo?
-é uma espécie de circo, sim. – disse a mãe.
-faltou a graça. não a garça. a graça.
-nem todo circo tem graça, vamos. ver o leão.
elas foram. caminhando por aquela falsa selva que não convencia nem os que tivessem boa imaginação (era o caso de clara)
ela brincava com bonecos como se eles fossem até
uma nave, dependia da história, o princípio do Teatro bem ali.
mas clara
não vai ser atriz, vai ser
professora
e a sua imaginação nata
vai ajudar esses seres que ainda não existem, os futuros alunos de clara,
a serem se não melhores pelo menos gente
que sabe fugir da realidade com os mecanismos do próprio corpo.
-clara, o leão.
a clara estava pra dentro, ainda pensando na pele dos elefantes. no dia da morte do vô ela usou um shorts com listas vermelhas
–Clara – a mãe chacoalhou
tinha muito medo que a filha fosse autista. já tinha visto criança na tevê assim voltada totalmente pra dentro, a mãe tentando dar comida e a criança se comportando como se a voz não entrasse. –Clara!
o leão.
a menina olhou
pelo espaço entre as grades
ele estava dormindo em cima de uma pedra
em tudo lembrava um cão que tinha crescido demais. a pele
era lisa,
imagina pisar em um leão e ir sendo sugada
pela areia da pele dele
-está dormindo. – a clara sussurrou. –olha a barriguinha.
-pagamos ingresso pra ver isso…
-eu gosto dele assim.
a mãe afagou a menina.
-vamos andando. quer pipoca?
-por que eles ficam presos?
-no circo também é assim.
-eles nasceram aqui?
-alguns.
-eles brotam dentro da grade? por que não fora?
-não são plantas, clara.
-eu sei. mas por que eles ficam presos?
-eles precisam, meu amor, são selvagens. se não estivessem presos
isto aqui seria um pandemônio.
-pandemônio. le pandemoniô.
-vamos. vou te comprar um sorvete.
-eu quero um que tenha cara de leão.
-não existe, filha.
-eu quero comer o leão, graaaaa. – ela abriu a boca
escancarando os
pequenos dentes, as mãos como se fossem
garras, o corpo curvado – Graaaauuuuuuuuuu– bem na hora passou uma excursão
em fila indiana
as crianças foram virando o rosto
pra ver.
★★★
Leia os textos anteriores da escritora Aline Bei
★★★
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