‘Desesterro’, de Sheyla Smanioto. Por Jorge Antônio Ribeiro

Desesterro

Terminada uma leitura, muitos dizem que tal livro é bom, como se tivessem comido um pedaço de bolo ou saboreado um prato de requintado tempero. Mas literatura não é bolo nem comida que se possa apreciar com o paladar. Portanto, ao me referir ao livro Desesterro, de Sheyla Smanioto, seria pouquíssimo dizer que é um livro bom ou muito bom. Há que se dizer mais porque ele atinge os sentidos do leitor, com um ritmo especial, que a cada cena cria novas expectativas. As muitas metáforas são, além de agudas, inusitadas, e constantemente nos levam à perplexidade, dirigindo-nos do real para o onírico e ao avesso disso tudo, através de um enredo que se situa num mundo camuflado pela narrativa não linear. Não há como o leitor saber onde fica Vilaboinha e em que lugar de São Paulo situa-se a Vila Marta e nesses cenários desenrolam-se as histórias de Marias e de ventos, de cães, de terra e de violência. O narrador muitas vezes parece divertir-se ao tentar confundir o leitor, mas consegue, as mais das vezes, direcionar a viagem pontuada de imagens secas e absurdas que lembram o universo de fantasia de Juan Rulfo, Gabriel Garcia Marques e Murilo Rubião.

A narrativa logo de início surpreende: “CIRCO É: tudo que é monstro à mostra. MONSTRO É: tudo que eu não consigo sequer imaginar. E o que se segue são monstros em um circo de fome, de violência e de desamparo. Um circo de Marias que são Cidas, Fátimas, Penhas, um estranho Antônio e uma excêntrica Scarlett.

A linguagem despreza as imposições da sintaxe talvez porque a realidade deste mundo criado por Sheyla Smanioto também não respeita o dia a dia das personagens nem dos cães. A pontuação deixa de lado as regras como que para emoldurar o insólito retrato que vai sendo apresentado com descrições duras e discursos incomuns.

Desesterro é um livro que machuca, assusta e trinca a pele do leitor que dele sai com os sentidos aguçados como se saísse de um naufrágio e pudesse enfim respirar, mas um ar que agora estará para sempre povoado pela gente de Vilaboinha e da Vila Marta.

Não é um livro apenas bom, pois não é um doce ou um naco de carne apimentada. Mas é inesquecível e sugere releituras para que se possa revisitar e quem sabe compreender melhor os mundos e as pessoas que um narrador louco lucidamente inventou.

14.-Sheyla-Smanioto_Thomas-Arthuzzi

Sheyla Smanioto (Foto: Tomas Arthuzzi)

★★★

Jorge Antônio Ribeiro, paulista de Botucatu, sempre gostou de escrever poemas e de contar histórias. Em 2011 publicou o livro de contos Esses dias pedem silêncio, pela Editora Edith e já participou de diversas antologias. Escreve para gozar, no melhor sentido que este verbo possa ter.

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