Aline Bei: Um pequeno conto de fadas

Pule de galho em galho sim, minha querida, a vida será um inferno de qualquer maneira, pelo menos você movimenta esse quadril.

Madrasta da Cinderela em Cenas Cortadas

 

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Henri Matisse, 1911

 

 

o lápis caiu da bolsa

rolou ladeira abaixo

e ela atrás, só parava quando passava carro, o lápis nem isso, em um primeiro momento ela era apenas alguém perseguindo algo que estava prestes a perder

 

lentamente ela foi se dando conta

 

de que o lápis a estava levando por

caminhos desconhecidos,

 

– belos hot dogs na vitrine –

 

árvores centenárias,

 

pessoas

que ela não cruzaria sem isto, seu lápis escorrendo por uma descida

o que ela agradeceu imensamente

imagine? se fosse subida

não pensou na gravidade

tampouco no caminho de volta

mas o fato é que a moça não voltaria tão cedo, cumprimentava sorrindo

anciões e passarinhos

ninguém entendia muito bem o porquê dela não estar triste

um lápis pode ser importante, afinal

o valor dos objetos está justamente no laço

que criamos com eles,

a moça poderia ter escrito boas histórias e pensado sem o lápis essas palavras dificilmente teriam saído de mim, então

corre-se atrás do bem maior

num passeio pela cidade de um jeito que ela nunca tinha feito

quando a rua virou planície e de repente o lápis parou.

poderia ter sido na frente de qualquer coisa, um pet shop, aos pés de um casal beijoqueiro, mas o lápis foi parar na porta giratória de um cinema.

 

a moça olhou curiosa a programação.

 

em 10 minutos começaria um filme chamado Fátima, estava escrito na descrição

 

baseado na história da família Nice

que foi morar na cidade grande para que a filha estudasse

em uma universidade

sem precisar morar naquelas repúblicas perigosíssimas.

 

na capa uma jovem de costas segurando o chapéu porque ventava

 

que história!,

ela comprou o ingresso

não era hora de ir ao cinema imaginem vocês duas da tarde, tantas coisas em casa por fazer, mas bom

maldito seja

o tempo e as coisas que temos pra fazer

ela pensou mergulhando

no escuro da sala

 

e o lápis, coitado, no meio da rua

sendo o instrumento, não a música, que ele sempre foi.

aline bei

Leia os textos anteriores da escritora Aline Bei 

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