
“Chop Suey”, de 1929, por Edward Hopper
-queria viajar pelas Américas, abrir os braços no topo de uma montanha.
-paulo, você anda lendo muito os beats.
-eu tô falando sério.
-eu também. tira a cara dos livros, coloca no mundo. olha o preço que tá a passagem.
-você me acha ingênuo.
-muito pelo contrário e exatamente por isso. a vida do lado de fora precisa de você.
-elisa, há quanto tempo somos amigos?
-desde a faculdade.
-isso. e desde lá, escuta bem, desde lá nós dois não estamos indo a lugar nenhum.
-como não?, olha essa festa.
-não estou falando da festa.
-da próxima vez não te chamo.
-para de bobagem, você me entendeu. vamos viajar juntos, eu, você e mais nada.
-ai, paulo.
-vamos? a vida é uma só.
-tá, e começaríamos por onde?
-tem muita coisa em Cuba que eu gostaria de ver. você sabia que o Hemingway morou lá pra escrever um romance?
-todo mundo sabe disso.
-eu podia fazer o mesmo.
-ótimo. e depois?
-depois vamos vendo. você disse das passagens, mas a gente não precisa de dinheiro. podemos trabalhar nas cidades e ir viajando, vamos conhecer o mundo devagar.
-e a nossa vida aqui?
-estou falando de jogar tudo pro alto, elisa, você não entendeu? não aguento mais trabalhar naquela maldita escola, minha família me odeia, a rita então nem se fale.
percebe? eu não tenho nada a perder.
-você está louco.
-pois o louco aqui
vai te mandar um tremendo cartão postal.
ela deu um tapa no ombro dele, prendeu o lábio com os dentes.
-adoro essa música.
-vamos dançar?
eles se levantaram e
rapidamente sumiram
na pista
de vez em quando um braço
de vez em quando os cabelos
de elisa, entre tantos,
demoraram pra sair de lá quase três da manhã e então
saíram, cambaleantes, pagaram as bebidas no caixa
e ganharam a rua, não é melhor pegar um taxi? não, vamos andando. está uma noite tão bonita.
caminharam,
até a casa dela
conversando sobre as músicas que a dj tinha tocado
e no quanto ela acertou em colocar Lionel Richie logo depois de Michael Jackson, uma combinação de fato explosiva, na porta de casa ela disse ficou tarde, é melhor você dormir aqui.
-dou aula amanhã às duas
-a gente coloca despertador.
ele subiu os degraus, ela na frente, procurou a chave na bolsa
o bob não latiu.
abriu a porta,
o paulo se jogou no sofá como se fosse
uma piscina.
-cuidado as costas.
-não sinto nada, estou morto. – e o bob cheirando
-ei. deixa ele em paz.
a elisa foi pro quarto, pegou travesseiro e cobertor.
quando voltou
o paulo já estava dormindo
-parece criança. –comentou pra si mesma
também ela
estava muito cansada
fechou a cortina pra não entrar luz, mas
sempre entrava.
antes de se deitar ela tomou um banho
(o bob no tapete do banheiro)
e enquanto tomava
imaginou que
a água na verdade era Chuva
de algum país exótico que ela nunca foi.
★★★★★★
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★★★
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