
Egon Schiele
você colocou sua mão na minha, eu quis tirar
minha mão uma flor
esquecida, entre escombros, você alisou a pele
não estou pronta, tentei te dizer
mas saiu outra frase, saiu algo como
já estive aqui, uma vez.
sinto vergonha
do jeito que meus dedos se arredondam em formas humanas, meus ossos, e você me olhando para além do que sou sem nunca me ver, eu também não te vejo, mal vejo a mesa em que estamos, os pés se esbarram, será que estou com o sapato certo? será que,
chegou a lagosta
–não sei
comer lagosta.
-eu te ensino,
suas mãos.
penso o tempo todo
nas impressões que te causo, queria viver, simplesmente, assistir nunca mais. você me pergunta
sobre o meu trabalho, respondo que
bom, faço o que posso.
mas você gosta?
claro e
mudo de assunto, comento do vinho, você lida em silêncio com o fato de eu não estar sendo cem por cento sincera
e quem está? sendo cem por cento sincero,
você segue
em silêncio
parece quase triste
eu não devia ter aceitado esse encontro, onde eu estava com a cabeça? me conheço o suficiente para saber que não mudei uma vírgula e então te escuto dizendo você é muito dura consigo mesma, por que?
ah, meu amor.
você devia passar uma tarde
lá em casa
com a senhora minha mãe
mas achei melhor dar outro tipo de resposta menos íntima
até porque
não vamos passar dessa janta, então eu disse
-como? não entendi.
-nada, esquece.
e eu já sentindo saudades do que nunca tive com você,
em algum universo paralelo e se eu evoluísse muito, acredito que nosso encontro poderia se estender pelos anos, só não estou conseguindo passar dessa noite, quem dera eu passasse
você pediu a conta.
sua mão está longe agora, a minha
está na perna
ainda dá tempo de
fazê-la voar
até você, vamos, que em breve será tarde, a mão a coisa mais pesada, não sai do lugar, não sai.
★★★★★★
Leia os textos anteriores da escritora Aline Bei
★★★
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