Gods`s in the House – Nick Cave and the Bad Seeds em São Paulo. Por Yasmin Bidim

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Nick Cave em São Paulo (Foto de Ian Rittmeister Mazzeu)

 

Domingo, dia 14 de outubro de 2018, foi um dia especial na narrativa da minha mitologia pessoal. Eu que há um ano mergulhei de corpo e alma na obra de Polly Jean Harvey. Ela tem sido minha guia artístico-espiritual desde que fui ao seu show no fim de 2017. No domingo passado eu fui ao show do Nick Cave and the Bad Seeds, que se passou no Espaço das Américas, na cidade de São Paulo, onde nos anos 90 o próprio Nick viveu por um tempo. Onde eu também, vejam só,  morei por alguns anos na década de 90. Hoje vivo no interior. A west country girl, como minha mitologia pessoal assim me autoriza.

Fui ao show acompanhada do meu companheiro Ian, quem me apresentou Nick Cave em primeiro lugar. No meio da disputa eleitoral mais deprimente dos últimos anos fizemos uma pausa no nosso sofrimento sócio-político e fomos para o “culto”.

Um ritual de ocultismo, exibicionismo, explosão de violência, fifteen feet of pure punk-rock, cristianismo e uma dose cavalar de energia masculina. Nick é o líder. Não de uma banda, mas de um bando. Um bando de homens que fazem isso há tanto tempo juntos que o palco é como um altar, onde celebram as mesmas ladainhas, os cânticos, profanos porém sacralizados, na presença de fãs em busca de alguma espiritualidade em tempos globalizados.

Nick é presença o tempo todo. Canções de mais de 20 anos atrás soam potentes como jovens, mas também sólidas –  alegorias do sofrimento – ancestrais e cheias de memória. Não só a memória do bando. Mas a memórias da Música, das canções. Das formas de sofrimento de seres atormentados pela realidade da condição humana, traduzidas em espetáculo, compartilhadas pela música e pela poesia.

Participamos de um ritual em que os códigos da espiritualidade cristã são colocados em cheque e confrontados com a materialidade. Nick se projeta sobre o público, toca e é tocado. Pede que sintamos as batidas do seu coração. É de carne e osso. Nos lembra que não há espírito sem corpo e propõe um pacto: nós teremos o máximo que ele puder nos dar durante o culto-rito-espetáculo, mas teremos que retribuir com nosso amor e devoção.

Cada canção apresenta um novo tema, uma parábola. O drama dos nossos conflitos e medos encenados com toda a violência que a música permite. Com ira, mas também com compaixão e entrega total.

Não sabemos se é Nick que reivindica seu lugar de santidade ou se o público o escolheu para cristo. Não importa. He’s a god, he’s a man, he’s a ghost, he’s a guru. É uma troca, um pacto. Ele cede ao apelo mundano da macropolítica e sussurra um “ele não”, afinal são as preces de seus fiéis. Nós cedemos a idolatria. Entoamos os cânticos.

Houve um mortal entre nós bancando Deus, e por duas horas eu até acreditei na sua existência.

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Nick Cave em São Paulo (Foto de Ian Rittmeister Mazzeu)

Yasmin Bidim

produtora e pesquisadora cultural

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