
Jackson Pollock,1947
a escola ainda estava vazia se não fosse pelo zelador que abria a porta e o cumprimentava sempre pelo nome
o professor retribuía
o cumprimento
olhando de relance para aquele rosto que por sua vez ele não lembrava
do nome, era Lalo? ou talvez fosse Tito. vou perguntar de novo pra diretora
e dessa vez anotar.
com os alunos acontecia a mesma coisa, o Antônio só lembrava do nome de alguns não porque tiravam boas notas, mas porque dali de cima do tablado
os nomes que ele lembrava eram de seres que despertavam a sua curiosidade
seja pela curva da coluna
seja pela timidez excessiva
especialmente o silêncio que fazia um determinado aluno chamado Manuel.
o menino ficava desenhando grandes navios no caderno enquanto Antônio explicava na lousa uma ou outra regra gramatical sem que isso se tornasse uma afronta, pelo contrário, para o professor aquilo era sinônimo de resistência. a escola impõe uma escuta cega e pouca escuta do lado de dentro,
espontaneamente o Manuel olhava para dentro
desenhando grandes barcos que o professor jamais vira em lugar nenhum. quando o menino ia mal nas provas, Antônio ficava com ele depois da aula explicando e explicando a matéria incansavelmente, o próprio Manuel não entendia bem aquela proteção, não era proteção, era quase um espelho.
– obrigado, meu querido. – Antônio disse ao zelador.
adentrou a escola,
o barulho do sapato no piso fazia nascer o prelúdio de um samba que morria quando o Antônio entrava na sala dos professores.
ele pendurava a bolsa no cabideiro, pegava um café na máquina.
sentava em uma das poltronas, a mais próxima da janela, tão cedo que lá fora parecia noite, seus alunos ainda estavam dormindo, os que moravam mais perto da escola com certeza estavam dormindo
e assistia
a transição do céu
assim, totalmente só e sempre perdendo o momento exato em que o marinho vai ganhando tons de rosa era seu jeito de desenhar navios.
★★★★★★
Leia os textos anteriores da escritora Aline Bei
★★★
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