
Edvard Munch
viro de bruços, como se boiasse, e percebo que o meu estômago ainda dói. tenho comido muito rápido, como se a comida fosse um ódio, imagino que nado em uma piscina que cresce, quando vejo estou em alto mar. desisto do bruços, me sento na cama. Bruges, na Bélgica. eu estive lá, uma vez.
procuro meu chinelo com os pés, calço
caminho até a geladeira de funcionamento incansável.
abro a porta
em busca do pote de melão, por engano pego o de alho e desisto
de tudo, vou pra sala, me sento no sofá.
que desespero no peito
por não estar fazendo o que outros estão fazendo, dormindo. parece tão simples, as crianças fazem à beça, fechar os olhos, desligar a mente do mundo.
outro dia sonhei que
tocava um feto de nascimento prematuro e isso escureceu a minha mão, fui ficando cinza, Não encoste em nada, os médios gritaram, mas eu já tinha encostado nas paredes, nas cortinas, senti que ia morrer.
quando acordei anotei o sonho. foi a última vez que dormi.
pego a revista que está na mesa de centro. folheio no escuro
aquelas marcas de roupa querendo o dinheiro de todos nós e então me aborreço, sou manada, era pra eu estar dormindo igual a todas as outras criaturas.
fecho a revista, visto um robe.
desço o elevador de costas para o espelho.
-olá. – digo para o marcos porteiro da noite.
-dona Mirtes. – ele responde balançando a cabeça e aquilo é tão pouco, me sinto desamparada, sento no banco ao lado da portaria.
as velhas senhoras do meu prédio sentam ali na parte da tarde
conversando com o porteiro da tarde
–sem sono? – o marcos de repente me pergunta, sorrio como se não me importasse
a brisa noturna invade meu robe num pequeno arrepio.
-e você, dorme que horas?
-não sou muito de dormir, dona Mirtes.
entrou um morador.
-boa noite.- ele disse pra nós dois
ficou no ar um cheiro de cigarro depois que ele passou.
–penso que é melhor dormir menos. – o marcos prosseguiu. – assim quando eu morrer, terei vivido quase a idade completa do meu ano de morte, não apenas os dias.
-bom, isso é verdade. mas eu não sei se.
-o que?
de novo a brisa
crescendo grande boca.
–está ficando frio. – eu disse, me levantando.
–boa noite, dona Mirtes.
-boa noite. –palavras frouxas
e o elevador me levando para o Abismo que é não saber o que fazer com o tempo, minha mente está suspensa, eu só queria tocar no feto e escurecer.
★★★★★★
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