
David Hockney. “A Bigger Splash” (1967)
as pessoas estavam reunidas dentro de casa, nasceu
o menino jesus
e tantos outros meninos que ninguém jamais saberá o nome
-vou brincar lá fora.
-está bem. – minha mãe disse distraída, ela voltava a ser filha na presença da minha vó e
me esquecia
ao mesmo tempo que isso machucava
me dava também uma certa liberdade
que eu gostava, apesar do medo
e de não saber muito bem o que fazer com o tempo sem a minha mãe comandando o navio das horas que me pertenciam, por direito, afinal
eu estava viva com o meu corpo no mundo, cada um tem o seu
pra cuidar.
cuidei do meu naquela tarde,
peguei a bicicleta que trouxemos de São Paulo.
a rua da minha vó era plana
e antes de começar a pedalar eu ia pra ponta
da rua
ficava olhando pra frente, fileiras de casas até onde a vista alcança.
dia 25 nasceu
tanta gente
por que então? só falar de um.
me sentei na bicicleta.
pedalei, era fácil
-só na rua da vó. – minha mãe dizia
a voz dela ecoando
dentro do meu peito que respirava sobe e desce querendo países inteiros
e todos os pássaros
e todos os parques
do beto carreiro, mas
quando chegava no fim da rua
solene eu
dava meia volta, começava tudo outra vez.
pedalei mais rápido
para pelo menos Ter alguma coisa, o vento no rosto, as casas passando
e no fim da rua eu virei tão brusco que acabei me derrubando no jardim da dona glória. caí na terra, o fofo da terra, demorei um tempo para me levantar. não era vergonha, não estava doendo
demorei porque de repente eu me dei conta
ali e com pouca idade que
aquela terra
num belo dia
será inevitavelmente o meu último lugar nesse mundo.
★★★★★★
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★★★
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