Reunindo poemas escritos nos três anos em que foi morar e trabalhar como professor universitário em Santa Catarina, depois de oito anos radicado no Rio de Janeiro, o premiado poeta Paulo Scott produziu Garopaba Monstro Tubarão, publicado pelo selo Demônio Negro, a partir de quatro palavras: luz (também ausência de luz), sobrevivência, mudança, entrega.
Mantendo a singular dicção que o caracteriza, Paulo Scott arquitetou poemas em que a ambiência urbana cede expressivo espaço à natureza, às idiossincrasias da vida no interior do país, no litoral, e em que se desvelam detalhes da vida no exílio, sobretudo nos pequenos exílios. Assim o poeta reforça, confirma e atualiza, os tons críticos e ácidos que sempre foram marcas da sua literatura. Um livro brutal, belo e necessário.
Lançamentos confirmados em Porto Alegre (RS), na terça-feira (29), às 19h00, na Livraria Bamboletras (Centro Comercial Nova Olaria – Rua General Lima e Silva, 116, Loja 3), e em São Paulo (SP), segunda-feira (4/2), a partir das 19h30, na Mercearia São Pedro (Rua Rodésia, 34, Vila Madalena).
Paulo Scott nasceu em Porto Alegre, em 1966. Escritor e professor universitário, publicou mais de dez livros. Recebeu os prêmios Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional, APCA, Açorianos de Literatura, entre outros, e foi finalista de prêmios como Jabuti, Prêmio São Paulo de Literatura, Prémio Literário Casa da América Latina (Portugal).
Leia a seguir três poemas do livro:
Afeto ainda lutar
no rosto imerso no espelho
a confirmação de que o meu superpoder
é colocar carroças na frente dos bois
tablado batendo o susto
no compro ouro corriqueiro
onde o ferro volta à carne
e no reflexo do caixa o olhar de máquina
jornada duma luz que não aceitei –
metragem cansaço inesperado
(razão preenchimento do odiar)
e uma voz na cópia me dizendo
nunca foste tu o salvador
desfazendo o refrão dos que lutam
e são imprescindíveis
as lágrimas da passeata
e invadido pela esperança que alastrei
sem encontrar a guerra santa
que havia dentro do poema e da canção
removo as verdades estampadas
nas camisetas
alinhavo o que se rasgou no heroísmo
admito que o tempo é maior (e dá repuxo)
que são intermináveis os sonhos
apesar da evasão que nasce deles
já atingido pela chance do amor
(jarro terrível)
falho escudo imprescindível
★★★
1979
surfistas chegam com seus carros
com seus óculos espelhados
com suas camisetas e seu silêncio
transportam seu recorte
de emendar na anomalia das ondas
(do sol esta febre que nunca está no lugar)
tenho a minha camiseta de surfista
(pra mim o surfe é anseio)
com a minha camiseta de surfista sou surfista
durante a temporada da pesca artesanal
eles somem – e eu caminho até o mar
com estes mamilos exagerados a mostra
espólio e planto na areia
chamo de calmaria o que me tortura –
este gesto miniatura
no meu peito
outro batimento
antes da invasão
★★★
Planalto
no hospital
o desenho de um avião abatido
peças dominó (imenso dominó-cerrado)
urubus mobilizados no azul da esplanada
onde o céu é apenas discrição da rapina
sufragando com seu deus calculado
o roer que destrincha má acomodação
neste vento que só foi bom nos croquis
guarnecendo e rebuscando
com seu deus e com suas famílias
com seus favos perecidos
(a arapuca) a colmeia sagaz
lar dos príncipes intolerantes
brados retumbantes –
contudo
sonho é enchente (e deixar)
velhas são as línguas e o que se fala
pelo artifício
hospital velho hospício
a casa é o grito
no seu concreto um fogo
(para cegos e mudos)
o fogo dos surdos
★★★★★★
Livre Opinião – Ideias em Debate
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