Sociedade dos Porcos. O nome, uma piada interna, veio no fim da oitava, quando o grupo era inseparável: Lipe, Flavinho, Ulisses, Du e Henrique. Batiam uma bola no recreio e depois da aula puxavam um trago, comentando sobre as garotas do colégio. Foi ideia do Lipe eternizarem na pele aquela amizade, e na última semana do terceiro colegial estavam todos com um pequeno focinho de porco tatuado debaixo da axila. Com o fim do colégio tomaram cada um seu caminho e, pouco a pouco, foram deixando de se falar.
A ideia do reencontro, dez anos depois, veio do Henrique, que sempre acreditou mais nessa história de manter vivas as amizades antigas. Marcaram na casa do Flavinho, que ainda não era casado e morava sozinho. Henrique e Lipe só precisavam avisar as esposas, enquanto Ulisses viria de Belo Horizonte para ficar o final de semana. Do Du, ninguém sabia nada.
— Ele não vem mesmo? — perguntou o Ulisses, saudoso, no aeroporto.
— Não encontrei ele — falou o Henrique. — Procurei pra caralho, mas nem facebook o cara tem.
— E o número dele, ninguém sabe? — sugeriu Lipe.
— Não…
— Nem na casa dos pais atenderam.
— Pô, o cara sumiu?
No apartamento, abriram cervejas, colocaram uma playlist, pediram pizzas, lembraram dos velhos tempos e se inteiraram das novidades de cada um. De estômago cheio, fizeram caipirinhas e cuba libres. Com a intimidade reestabelecida graças ao efeito da bebida, passaram para o assunto favorito: mulheres. Bundas, peitos, pernas, transas, casos e romances, todos tinham alguma história para ser contada.
— Eu tenho uma — falou o Flavinho ao fim da história do ménage de Ulisses. — Meio estranha, na verdade.
— Uhm, fala aí — disse Lipe, terminando as risadas.
— Foi lá no Rio, no primeiro ano da residência. Eu saí numa sexta com o pessoal da turma pra Lapa. Naquele jeito, sabe? Sem muitos planos, vamos ver no que vai dar. Lá pelas tantas, a gente sentou no Bar da Cachaça pra dar um up. Por sinal, já foram lá? A de milho não tem igual. Então, a gente tava numa mesinha ali mais perto da esquina, escutando um sambinha que tava tocando no bar do lado, e eu notei meio de canto que tinha alguém me olhando. Não sabia quem era, mas senti que tinha alguém. Quando eu virei, meu irmão, vi uma loirinha maravilhosa umas três mesas pra lá, olhando pra mim. Primeiro eu achei que não era comigo, mas aí ela deu um sorriso que eu me apaixonei. Sorri de volta e a gente ficou nesse flerte, trocando olhares. O pessoal quis levantar logo depois, ir pra um lugar mais animado, uma balada ali na Cinelândia. Na hora de levantar, fiz uma cara de “acho que é isso”, e ela deu uma piscadela, sorriu com o canudo da caipirinha no lábio e virou pro lado, conversando com o pessoal da mesa dela.
— Pô, e não foi lá falar com ela? Que vacilo!
— Perdeu uma baita chance aí, hein, Flavinho?
— Calma, que tem mais história. Na balada foi aquele negócio de fila e o caralho, mas com umas cachacinhas no corpo eu tava me sentindo bem, com aquela sensação de que a noite promete. A gente entrou e tava uma maluquice lá dentro, uma música pesadíssima, de mexer com a cabeça, todo mundo dançando, tava lindo. Aí a festa foi indo, a gente dançou também, tomou uns negócios aí e lá pelas tantas eu tava no bar, tentando pedir uma cerveja quando eu ouvi um “oi” do meu lado. Virei pra ver quem era e adivinha? A loirinha do bar, do meu lado, aquele sorriso lindo de derreter o coração e um vestido apertadinho, colado no corpo. Umas coxonas desse tamanho! “Lembra de mim?”, ela perguntou, e eu respondi que sim, do bar, e que tinha ficado encantado com a beleza dela. Aquele xaveco, sabe? Ela riu um riso um pouco envergonhado, mas feliz, e pegou no meu braço, falando que eram meus olhos. Ela se chamava Valéria, e morava na Tijuca. A gente começou a conversar, e foi impressionante, não faltava assunto, a gente gostava das mesmas coisas, e logo de cara eu já me senti à vontade. Depois de um tempo, ela me levou pra pista de dança. Tava tocando uma música meio sensual, e a gente dançou coladinhos, se encostando bastante. Não deu outra, a gente foi se beijando, um beijo gostoso, tudo combinando, o jeito de pegar, tudo dando certo. Depois fomos prum canto, e como já era fim de festa, foi uma pegada mais forte, mais safada. Ela me pegou no pescoço de um jeito de arrepiar, e deu um gemidinho delicioso quando beijei o pescoço. Desci a mão pra baixo do vestido e ela falou: “Vamos pra outro lugar?” Aceitei na hora, não estava acreditando que ia embora com aquela mulher maravilhosa. A gente pediu um táxi e foi pra minha casa, mas nem conseguimos chegar no quarto, de tanto tesão. Rapaz, nunca fiz um sexo tão bom que nem aquele. Inacreditável o que aquela mulher sabia fazer na cama. Me pegou de um jeito, me virou de ponta cabeça e fez cada coisa que eu nunca nem tinha imaginado. Só deixei e aceitei, ela que tava no comando. Dedo naqui, língua nali, e vai na mesa, apoia na pia, empurra a cama, perna pra tudo que é lado. Um negócio de mais de hora, tá ligado?
— Ô beleza!
— Depois que a gente terminou e recuperou o fôlego, ela falou que precisava ir embora. Eu tentei convencer ela a ficar, mas disse que não podia, que trabalhava cedo. E lá fui eu, muito cavalheiro, chamar um uber enquanto ela se vestia. Que bunda era aquela, meu irmão? Só de lembrar já fico maluco. Chamei o carro e fiquei olhando ela se abaixar pra pegar a calcinha, procurar o sutiã e começar a se vestir, tudo numa tranquilidade, numa certeza de que eu ia querer segundo tempo. Aí quando ela foi pôr o vestido por cima da cabeça, que eu vi uma tatuagem.
— Uma tatuagem?
— Pois é .
— O que era? Aonde? Devia ser uma coisa bem safada, só pode, pra tá falando desse jeito.
— Não — continuou Flavinho. — Um focinho de porco, bem aqui. — E apontou para a própria axila.
Os outros três fizeram silêncio, sem perceber a expressão de choque em seu rostos. Lipe levou uma das mãos à boca, Ulisses ficou imóvel, com os olhos arregalados, as sobrancelhas erguidas, e Henrique, mais com os lábios do que com a voz, disse:
— Não…
Flavinho não pôde mais se conter, bateu palmas e explodiu em gargalhadas:
— Puta que me pariu, vocês caíram fácil demais! — disse, quase gritando.
A ficha demorou alguns segundos para cair, e eles logo começaram a achar graça também.
— Espera, então você não comeu o Du? — perguntou Ulisses, tentando entender.
— Claro que não! Também não faço ideia por onde anda esse desgraçado. — Voltou a rir, e os três se juntaram, admitindo terem caido na pegadinha.
— Porra, tomar no cu, hein, Flavinho.
— E eu aqui preocupado.
— Porra!
Xingaram Flavinho, que só fazia rir, enxugando uma lágrima que descia do olho, mas logo se juntaram a ele, tanto na risada quanto nas piadas.
— Imagina só se ela ficasse pra dormir e ronca que nem o Du! — disse Ulisses, imitando o barulho de um porco. — Tu tava fodido.
— Ou se tivesse aquele cheiro de peido dele! — acrescentou Henrique.
Todos riram e relembraram histórias do amigo que não viam há uma década. A cada nova história, uma explosão de gargalhadas percorria a roda, num tom nostálgico. Acabaram todos se abraçando, prometendo que manteriam o contato enquanto escondiam as lágrimas.
— Mas ô, Flavinho, vê se chama a Valéria na próxima — debochou Lipe, e todos caíram no riso mais uma vez.
Enquanto recuperavam o fôlego, Flavinho aproveitou para ir ao banheiro. Ligou a torneira no máximo e sentou na privada, com a tampa fechada. Do outro lado da porta, pôde escutar a música tocando e a voz abafada do Henrique dizendo algo. Esperou o tempo necessário de uma urinada e puxou a descarga. Lavou as mãos, mesmo estando limpas e jogou uma água no rosto. Quando voltou, Lipe estava começando a contar uma história do carnaval que passou em Olinda. Flavinho sentou-se e escutou. Entendeu por que Valéria disse que eles ainda não estavam prontos para conhecê-la.
★★★
★★★★★★
Livre Opinião – Ideias em Debate
jornal.livreopiniao@gmail.com
Quer ficar por dentro de tudo o que acontece no Livre Opinião – Ideias em Debate? É só seguir os perfis oficiais no Twitter, Instagram, Facebook e Youtube. A cultura debatida com livre opinião
Republicou isso em Contos do Cardoso.
Pingback: Por onde anda o Cardoso? – Contos do Cardoso