Renata Py é publicitária, foi editora-chefe da PUNKnet e locutora na Antena Zero. Trabalhou com jornalismo cultural em veículos como Showlivre e Kultme. Hoje dedica-se apenas à escrita literária.

Fuga

Inquieta sem saber motivo, Rosalva não demorou para romper com o hábito de rotina. Percebeu emoção em instantes de descuido e abandonou-se ao acaso. Foi quando cumpriu sua fuga. Eu já previa há muito. Bastava ver nos olhos da danada, afobados demais para tanta calmaria. Só mesmo Josué, ainda desprevenido, acreditar que casamento compactuava com os instintos da menina. O pobre agora vive em vigília. Talvez ela volte, nem que seja de passagem, para mostrar que ousadia cabe em terras pequenas; só não faz morada em canto algum.

O ilusionista

Em passos vagarosos, meio que capengando, Eulália me desabitou. Com um silêncio sutil que aos poucos ocupou todo o espaço dessa casa. As pernas magras estiradas no meu lençol viraram apenas o amarfanhado da roupa de cama sem trocar. As risadas que saíam da sala perderam o protagonismo para os ecos da água no encanamento de cobre. Velha estrutura que insiste em me assombrar. Dizem que foi embora com o circo; parece que um farsante, dito como ilusionista, levou minha mulher. Na crueza do meu costume, ficou difícil competir com tal especialidade.

Dora

Delicada por demais, levava de bom jeito o furor do relacionamento. Dado isso, ficou em condição de noivado por mais de década. Um dia acordou do avesso, vestiu roupas não suas e saiu sem pista. Dias fora. Todos em polvorosa. Onde foi Dorinha? Voltou sem meiguice e nenhuma prosa. Pegou algum e a chave do carro, sumiu na poeira da estrada de terra. Noivo ficou, assim como a Bíblia e vestes velhas. Dizem por aí que foi vista na casa das cabras. Onde ninguém da família teve coragem de averiguar. Na dúvida, o ex e o pai, da antiga boate nunca mais puderam usufruir.